Aproxima-se a época mais temível, em que nos obrigam, através de uma brilhante e subreptícia chantagem psicológica, a ser solidários, carinhosos, até mesmo generosos.
Nesta época, na compra dos brinquedos de Natal para os putos, estamos a contribuir para associações de que muitos de nós nunca ouviram falar.
Nesta época, não custa nada contribuir para as obras de Santa Igrácia. Com a sua ajuda podemos fazer muito.
Nesta época lembram-se de apelar ao espírito Cristão que faz do Natal um momento tão belo e harmonioso.
Nesta época, e porque é esta época, em que a malta recebeu um subsídio (e não são todos), toca de aproveitar.
A solidariedade, é como a esperança, é o sentimento mais maquiavélico que existe. Porque obriga a que as pessoas se responsabilizem por situações cuja responsabilidade não é delas, pelas quais pouco podem fazer, e pior, com as quais não têm qualquer obrigação, têm apenas boa vontade.
Eu pago as talhadas dos meus impostos todos os anos, portanto, eu pago para viver. Eu pago para comer, para me vestir, para poder ter luz e água.
O meu ordenado dá mal e porcamente para viver, e mesmo assim, ainda consigo ajudar os outros. Quem leva um quilo de arroz, leva dois para o banco alimentar da fome. Se dizem que contribuem com um euro pelas compras que faço não sei onde, pois vai-se lá em vez de se ir a outro sítio. Estou a ajudar pessoas que não conheço, estou. Se me sinto uma pessoa melhor por isso? Não. Acho que tenho esse dever. Apesar de saber perfeitamente, que não posso carregar nos ombros essa responsabilidade. Porque entre não ter para dar e guardar aquilo que tenho, eu tenho mais que guardar aquilo que tenho, porque eu não estou nos números das associações e instituições de ajuda social. Ainda.
E assim modela-se tudo pelo baixo. Os que têm pouco dão aos que não têm nada, para que esses tenham um mínimo. E ficamos todos contentes, porque passou mais um Natal e ninguém ficou verdadeiramente melhor. Só mais aliviado.
quarta-feira, novembro 24, 2004
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