O Desesperado entrou na estação. Aos 50 anos e sem emprego, sem dinheiro para dar de comer à família, sem perspectivas de futuro, achava-se capaz de qualquer coisa. E naquela altura era-o. Roubara uma pistola, carregada. Na tropa tinham-lhe ensinado a atirar, lembrava-se bem.
O Suicida estava na estação. Aos 30 anos, mal tinha emprego, uma formação superior que não lhe servia de nada. Vivia com os pais, mal e porcamente. Tanto esforço para nada. Trabalhava a contratos mensais, sem garantias, com um ordenado de 540 euros, que nem para alugar uma casa davam. Não tinha perspectivas de futuro. Estava, no entanto, preparado para decidir de uma vez o rumo da sua vida. E aquela estação vazia, serviria tão bem com qualquer outra para isso.
O Desesperado topou o Suicida. O Suicida topou o Desesperado. Viu-o a aproximar-se lentamente, olhar tresloucado. Fingiu que o ignorava. Com aquele gajo ali, não ia poder fazer nada.
Não foi sem espanto que o Suicida sentiu a pistola do Desesperado na cabeça.
'Estou Desesperado! Não faças nada, ou arrependes-te!' E o Suicida pensou que aquilo era ideal. Morrer, sem ter que carregar com as culpas, sem levar consigo o peso de consciência de ter abandonado a mãe.
'Ai não que não faço!' , disse o Suicida, olhando de esguelha para o Desesperado, mesmo assim sem mexer a cabeça.
'O quê?! Queres morrer?!'
'Ah pois quero! Dispare, homem!'
'Está doido?! Porque é que quer morrer?!'
'Isso é assunto meu! Porque é que me quer matar?'
'Não sei, não sei. Sou capaz de fazer qualquer coisa. A empresa onde trabalhava fechou e nunca mais recebo o subsídio de desemprego. Nem tive direito a indmenização. 30 anos de dedicação para nada... Estou com 50 anos, tenho um problema de coluna. Onde é que vou arranjar um emprego que me ajude a manter a minha família? Matar-me não é solução, não posso deixar a minha mulher e os meus filhos. E se for preso, ainda recebo algum dinheiro que me pode ajudar a mantê-los... e você?'
O Suicida encolheu os ombros:
'Na mesma. Sem mulher e sem filhos, por isso, não preciso de me preocupar muito. Não tenho perspectivas de vida. Acabei um curso e não encontro emprego para aquilo em que estudei. Só arranjo trabalhos de contratos mensais. O que ganho nem sequer dá para juntar, ou para alugar uma casa. A vida, para mim, já não me serve de muito. Não tenho perspectivas. Não tenho objectivos.'
O Desesperado baixou a arma e suspirou. O Suicida meteu as mãos nos bolsos e suspirou. Não sei se algum deles morreu nessa tarde.
sexta-feira, outubro 29, 2004
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário