D. Júlia, beata cheia de graça, ia à igreja todos os domingos e uma vez por outra às sete da tarde, durante a semana, quando tinha tempo, entre o lanche dos netos que vinham da escola e o jantar do marido que chegava da praça de táxis.
A beata considerava-se boa pessoa e uma alma caridosa, igual ao resto do mundo, e como o resto do mundo, em tudo e todos encontrava defeitos e falhas. Deixava com uma devoção caricata e um tanto cínica, a esmola na caixa dos pobres, perguntando-se sempre para onde iria aquele dinheiro, acendia as velas na igreja com duas moedas e perguntava-se por quanto tempo elas arderiam. E se apanhasse na calha alguma vizinha, lá iriam a desfazer na vida da D. Simplícia, devota matrona, quase a patroa da igreja, que uma vez por outra, subia ao altar para rezar o terço, vendo com um inconsciente prazer, a congregação ajoelhada à sua frente.
E se havia pecado de que a D. Júlia dissesse alto e bom som arrepender-se era o do orgulho. Aquele que lhe surgia sempre que mencionava o seu filho médico, com consultório posto numa das principais avenidas da cidade. Esse pecado que seria remediado quando se confessasse ao padre e tivesse que rezar uma novena, ou mais. Sempre mais uma. Porque no fundo do seu coração, ela não se arrependia desse orgulho.
quinta-feira, fevereiro 10, 2005
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