domingo, fevereiro 29, 2004

Um Very Typical Provincianismo

Lisboa é provinciana. Muitos pensam que esta cidade não passa de um resíduo de pessoas indiferentes, apressadas demais para darem atenção aos outros. Que esta cidade não passa de um antro cosmopolita, frio, desumano... Mas enganam-se. Lisboa é provinciana.
Lisboa é aquele local, onde quem a atravessar de autocarro descobre as pequenas características que a tornam tão rural. As velhas que desfiam rosários de doenças umas às outras, o menor motivo que origina a mais acesa discussão, e por consequência conversas com o vizinho do lado, que por sua vez vão desembocar em verdadeiras confissões sobre a vida privada. Em Lisboa, apesar de tudo, ainda há pessoas atentas aos passos que os outros dão. Predispostas a estender a mão para ajudar. Predispostas a criticar, sem sequer terem conhecimento de causa. Um espírito provinciano numa capital que um dia foi de um império.
Lisboa é aquele local onde ainda há bairros em que se acorda ao domingo de manhã com os gritos das crianças a brincarem na rua, as vizinhas a trocarem mexericos, os homens a encontrarem-se no café e a discutirem os assuntos da actualidade, percebam ou não alguma coisa do assunto. Em Lisboa, apesar da cidade estar a ser cada vez mais desertada de pessoas, ainda se encontram pessoas à janela a ver quem passa. O senhor da mercearia a aviar clientes, com conversas pessoais. A senhora do café que ainda faz fiado a quem precisa. A mulher da padaria a quem todos contam os seus desaires.
E para acrescentar o provincianismo a todo este provincianismo, Lisboa tem um presidente de Câmara, altamente folclórico. Ele é cartazes gigantescos e coloridos a propagandearem os seus feitos, ele é colunas espalhadas pela Baixa, a darem música aos transeúntes, como qualquer terra mais pequena em dia de feira...
Mas será isto mau? Será mau haver, apesar de tudo, uma dimensão humana? Uma sensação de que este espírito tacanho está ali para o melhor e para o pior? Sem ter ainda alcançado o desprendimento e a falta de contacto humano que se encontram em algumas capitais pelo mundo fora?
A meu ver, eu que sou lisboeta e que por isso tenho também um espírito provinciano, a meu ver, tirando o folclore, não me parece assim tão mau.

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